Tuesday, December 28, 2010

myage

(...) Tanto mais notável, no entanto, foi que ainda assim tenha subestimado o meu problema em um ponto decisivo, pois aconselhou-me, em tom sério, a viajar um pouco. Nenhum conselho poderia ser menos sensato; as coisas na verdade são simples, todos podem compreendê-las ao chegar mais perto, mas não tão simples que a minha partida pudesse pôr tudo ou sequer o mais importante em ordem. Pelo contrário, antes de partir devo proteger-me ainda mais; se tenho mesmo de seguir um plano, então que seja o de manter o assunto dentro dos estreitos limites atuais que o mantêm separado do mundo externo, ou seja, ficar quieto onde estou e impedir as grandes mudanças visíveis que a situação exige, o que inclui não mencionar nada a ninguém, não porque tudo isso esconda algum segredo terrível, mas por tratar-se de um assunto irrelevante, pessoal e perfeitamente suportável que deve permanecer como tal.

Franz Kafka, Uma Pequena Mulher

Monday, December 06, 2010

entendo.

Tais solilóquios de rua ou de metrô ou de noites de insônia, no curso dos quais sua cabeça funcionava como um moinho de roda, impossível capturá-los quando se sentava diante de uma folha de papel em branco. E, no entanto, que extraordinárias confabulações ele tinha consigo mesmo! "Pôr o preto no branco! Escrever tudo!'' repetia em voz alta, mecanicamente, brandindo o punho fechado...

Henry Miller, Moloc

Toda noite eu escrevo mais um pedaço do meu livro. Mentalmente, é claro.

Friday, December 03, 2010

nina simone

I met him in a cell in New Orleans, I was
so down and out.
He looked at me to be the eyes of age,
as he spoke right out.
He talked of life, he talked of life.
He laughed, clicked heels instead.

Mister Bojangles
Mister Bojangles
Mister Bojangles,
dance!

Wednesday, December 01, 2010

de volta a bunker hill

Na falta de algo novo, resolvi reler Sonhos de Bunker Hill, do John Fante. Engraçado como as coisas mudam. Em 2006 eu li e achei incrível. Hoje achei um pouco superficial, talvez até meio bobo. Não sei se porque a linguagem é muito acessível, ou porque é curtinho - terminei em dois dias - o fato é que a impressão foi outra. Jamas falarei mal, afinal, na época dei muitas risadas e admiro o autor. Nem só de drama ou rebeldia se faz a literatura. Resolvi eternizar aqui o final que me agradou (e ainda agrada) profundamente:

Me estirei na cama e dormi. Era crepúsculo quando acordei e acendi a luz. Me sentia melhor, não estava mais cansado. Fui até a máquina de escrever e sentei em frente. Meu pensamento era escrever uma frase, uma única frase perfeita. Se conseguisse escrever uma frase boa, conseguiria escrever duas, e se conseguisse escrever duas, conseguiria escrever três, e se conseguisse escrever três, conseguiria escrever para sempre. Mas, supondo que eu falhasse? Supondo que eu tivesse perdido todo o meu belo talento? Supondo que ele tivesse se consumido para sempre no fogo de Biff Newhouse ao esmurrar meu nariz ou com a morte de Helen Brownell? O que aconteceria comigo? Iria até Abe Marx e me tornaria ajudante de garçom de novo? Eu tinha dezessete dólares e medo de escrever. Sentei ereto em frente à máquina de escrever e soprei meus dedos. Por favor, Deus, por favor, Knut Hamsun, não me abandonem agora. Comecei a escrever e escrevi:

"É chegada a hora", disse o Leão-Marinho,
"De falar de muitas coisas:
De sapatos - e navios - e cera para lacre -
De repolhos - e reis -"

Olhei para aquilo e umedeci meus lábios. Não era meu, mas, com os diabos, um homem tem que começar por algum lugar.

Tuesday, November 30, 2010

fragmentos

O que mais tarde tantas vezes senti, naquele tempo eu já adivinhava: que não se tem o direito de abrir um livro sem assumir o compromisso de ler todos. A cada frase começamos o mundo. Antes dos livros ele fora algo intacto, e talvez depois deles voltasse a ficar inteiro.

xxx

Descobrimos que não sabemos nosso papel, procuramos um espelho, queremos tirar a pintura e a falsidade, e sermos verdadeiros. Mas em algum lugar um pedaço de disfarce que tínhamos esquecido ainda se gruda em nós. Um traço de exagero permanece em nossas sobrancelhas, não percebemos que os cantos de nossa boca estão repuxados. E assim andamos por aí, um escárnio, metade de nós mesmos: nem reais nem atores.

Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge

...

Acho que eu devia começar a fazer algo, a trabalhar, agora que estou aprendendo a ver. Tenho 28 anos, e praticamente não aconteceu nada. Vamos recordar: escrevi um ensaio sobre Carpaccio, que é ruim, um drama chamado O Casamento, que pretende provar algo falso com meios ambíguos, e versos. Ah, mas versos significam muito pouco se escritos cedo. Devia-se esperar, reunir sentido e doçura numa vida inteira, se possível bem longa, e depois, bem no fim, talvez conseguissem dez versos bons. Pois versos não são, como as pessoas imaginam, sentimentos (a esses, temos cedo demais) - são experiências.

É ridículo. Estou aqui sentado em meu quartinho, eu, Brigge, que completei 28 anos, e de quem ninguém sabe nada. Estou aqui sentado, e não sou nada. E, contudo, esse nada começa a pensar, e num quinto andar, numa cinzenta tarde parisiense, pensa estes pensamentos:
É possível que ainda não tenhamos visto, reconhecido e dito nada realmente verdadeiro e importante? É possível que tenhamos tido milênios para contemplar, refletir e anotar, e deixássemos esses milênios passarem como uma hora de recreio na escola, em que se come pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar do progresso, da cultura, da religião e da sabedoria universais, tenhamos permanecido na superfície da vida? E que mesmo essa superfície - que em si já seria alguma coisa - esteja recoberta de um tecido tão incrivelmente monótono que nos pareça móveis de sala numas férias de verão?
Sim, é possível.
É possível que toda a história da humanidade tenha sido um mal-entendido? Que o passado seja falso porque sempre falamos em multidões, como numa reunião de muita gente, em vez de falarmos no único, em torno do qual todos se agrupavam porque ele era estrangeiro e morria?
Sim, é possível.
É possível termos acreditado na necessidade de recuperarmos fatos acontecidos antes de sermos nascidos? É possível que tenhamos de recordar a cada indivíduo que ele nasce dos antepassados, que portanto contém em si todo esse passado, e que nada tem a aprender com outros homens que pretendem possuir um saber melhor ou diferente?
Sim, é possível.
É possível que todos esses homens conheçam bem um passado que nunca existiu? Que para eles todas as realidades nada sejam; e sua vida transcorra desligada de tudo, como um relógio num quarto vazio?
Sim, é possível.
É possível que nada se saiba de donzelas que, ainda assim, vivem? É possível que se diga 'as mulheres', 'as crianças', 'os rapazes', sem pressentir (apesar de toda a cultura, sem pressentir) que há muito essas palavras não têm mais plural, mas apenas incontáveis singulares?
Sim, é possível.
É possível existirem pessoas que dizem 'Deus' e pensem que isso é um ser que lhes é comum? Vejam esses dois meninos de escola: um compra uma faca, o vizinho compra outra idêntica no mesmo dia. Depois de uma semana mostram-se mutuamente as facas, e acontece que só remotamente ainda se parecem - tão diversamente se desenvolvem em mãos diferentes. (Sim, diz a mãe de um deles, por que vocês precisam gastar tudo logo?) E então: é possível acreditar que se possa ter um Deus sem usá-lo?
Sim, é possível.
Mas se tudo é possível, ao menos vagamente possível, então, por tudo que há de sagrado no mundo, algo tem de acontecer. O primeiro a ter esse pensamento inquietante precisa começar a fazer algo que foi omitido; mesmo se for apenas um sujeito qualquer, talvez nem mesmo o mais indicado: simplesmente, não há outro melhor. Esse jovem estrangeiro insignificante, esse Brigge, terá de sentar-se num quinto andar e escrever, dia e noite: sim, terá de escrever, e este será o fim.

Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge

Sunday, November 28, 2010

saturday night*

Diálogo via SMS durante a madrugada:

C: Encontrei dois amigos teus na noite.
F: Quem? Obs.: Não tenho amigos.
C: xxxx e xxxxx
F: Teu excesso de vida noturna me deixa abismada.
C: Só saí Quinta e Sábado.
F: Em duas semanas tu saiu mais do que eu em 11 meses.
C: Eu: em busca da foda perfeita. Tu: quer casar. Simples como a vida é.
F: Disse tudo.
C: Digo pouco, mas falo muito. Buk me ensinou sobre a vida e as palavras.
F: Buk: Colega. Miller: Guru. Sem mais.
C: Pode ser, mas Miller teria outros conceitos e modos nos dias de hoje.
F: Não polemiza. Adeus.
C: Isso, deixa eu ler e dormir.
F: Já vai tarde.

*Misfits

Saturday, November 27, 2010

...

Descontente de todos e descontente de mim, gostaria de resgatar-me e orgulhar-me um pouco no silêncio e na solidão da noite. Almas daqueles que amei, almas daqueles que cantei, fortificai-me, sustentai-me, afastai de mim a mentira e os corruptos vapores do mundo; e vós, senhor meu deus! Concedei-me a graça de produzir alguns versos belos que provem a mim mesmo que não sou o último dos homens, que não sou inferior àqueles que desprezo.

Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge

Friday, November 26, 2010

sing the changes

Estou aprendendo a ver. Não sei o que provoca isso, tudo penetra mais fundo em mim, e não pára no lugar em que costumava terminar antes. Tenho um interior que ignorava. Agora, tudo vai dar aí. E não sei o que aí acontece.
Hoje escrevi uma carta e ocorreu-me que faz apenas três semanas que estou aqui. Três semanas em outro lugar - por exemplo, no campo - poderiam ser como um dia; aqui são anos. Também não quero mais escrever cartas. Para que diria a outra pessoa que estou me modificando? Se me modifico, já não sou aquele que fui, sou algo diferente do que até agora era, então é evidente que não tenho conhecidos. E é impossível escrever cartas para gente desconhecida, gente que não me conhece.

Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge
*So where do you want out?
**Uh, who, me? Am I first?
hm, I don't know. Really, anywhere is fine.
*Well, just give me an address or something, okay?
***Tell you what, go up three more streets,
take a right, go two more blocks,
drop this guy off on the next corner.
**Where's that?
*** I don't know either, but it's somewhere,
and it's gonna determine the course of the rest of your life.

trecho de Waking Life

Wednesday, November 24, 2010

carnage

- Amo - disse dessa vez Vandenesse ao deixar a marquesa - e para minha desgraça encontro uma mulher presa a recordações. É difícil lutar contra um morto, que não se acha presente, que não pode cometer tolices, que não desagrada nunca, e do qual só se vêem as boas qualidades. Não será querer destronar a perfeição, tentar matar os encantos da memória e as esperanças que sobrevivem a um amante perdido, precisamente porque ele só despertou desejos, tudo o que o amor tem de mais belo, de mais sedutor?

Honoré de Balzac, A Mulher de Trinta Anos

Tuesday, November 23, 2010

25

É preciso estar viva para experimentar as alegrias da vida, e até agora eu estava morta para tudo.

Honoré de Balzac, A Mulher de Trinta Anos

Thursday, November 18, 2010

Natal de 1914

Meu Natal já se transferiu de tal modo para o íntimo nos últimos anos, acredito, mesmo se tivesse permanecido em Munique, eu passaria a noite em solitude dentro dos meus aposentos, como em comemoração meditativa, contemplação e recordação. Pois desde a infância inclino-me a estar só, sem ter família ou festa familiar, porém, conexões ilimitadas com o cosmo, estou destinado a sentir não o que está perto, senão a amplidão longínqua, é o que confere toda a potência e a autenticidade ao meu sentimento. E é como me sinto voltado para você nesse instante, quando lê esta carta, minha bondosa Mama, e com amor verá mais nítida a confirmação de minha proximidade, minha presença, do que ao perceber com os olhos dos sentidos.

Rainer Maria Rilke, Cartas Natalinas à Mãe

Monday, November 15, 2010

strange fruit

Na noite de 7 de Abril de 1943, ela decide festejar seu aniversário de 28 anos. A festa será em seu quarto de hotel. Estão presentes alguns músicos, amigas brancas e Jimmy Monroe. Escutam discos de Billie, dançam, bebem e fumam. O ambiente é dos mais descontraídos. Chega um de seus camaradas, um fulano bem vestido, que dizem ser particularmente violento. Depois de alguns copos, ele é a única pessoa que fala no quarto. Querendo se mostrar para as garotas, ele começa a contar vantagem e a praguejar. Billie se volta para Jimmy Monroe e lhe diz:
- Tire esse tipo daqui.
Monroe tenta argumentar com ele, mas o outro nem sequer o escuta e continua se fanfarroneando ainda mais. Subitamente, Billie se aproxima dele, com uma pilha de discos nas mãos. Ela os quebra sobre a cabeça dele. O cara vai ao chão. Monroe abre a porta e Billie segura o camarada, completamente tonto, e o joga no corredor. Billie, muito calma, recomeça a dançar, sem ao menos relancear os olhos para Jimmy Monroe.

Sylvia Fol, Billie Holiday

Friday, November 12, 2010

let me roll it















Por que motivo, quando nos encontramos diante de outra pessoa, mesmo que ela seja a melhor do mundo, havemos sempre de esconder e de calar algo? Por que não havemos nós todos de dizer com absoluta sinceridade aquilo que trazemos no coração, quando sabemos muito bem que as nossas palavras não seriam em vão? Parecemos todos mais frios e taciturnos do que somos na verdade, pode-se dizer que as pessoas têm medo de se comprometer expondo com franqueza os seus sentimentos.

Fiódor Dostoiévski, Noites Brancas

*
Cézanne, The Abduction

Wednesday, November 10, 2010

chopin bukowski

este é meu piano.

o telefone toca e as pessoas perguntam,
o que você está fazendo? que tal
encher a cara com a gente?

e eu digo,
estou ao piano.

o quê?

desligo.

as pessoas precisam de mim. eu as
completo. se não podem me ver
por um tempo ficam desesperadas, ficam
doentes.

mas se as vejo muito seguido
eu fico doente. é difícil alimentar
sem ser alimentado.

meu piano me diz coisas em
troca.

às vezes as coisas estão
confusas e nada boas.
outras vezes
consigo ser tão bom e sortudo como
Chopin.

às vezes me sinto enferrujado
desafinado. isso
faz parte.

posso me sentar e vomitar sobre as
teclas
mas é meu
vômito.

é melhor do que sentar em uma sala
com 3 ou 4 pessoas e
seus pianos.

este é meu piano
e é melhor que os deles.

e eles gostam e desgostam
dele.

Charles Bukowski, O Amor é Um Cão dos Diabos

Tuesday, November 09, 2010

garotas calmas e limpas em vestidos de algodão

(...)
preciso de uma boa mulher. preciso de uma boa mulher
mais do que da máquina de escrever, mais do que do
meu automóvel, mais do que de
Mozart; preciso tanto de uma boa mulher que posso
senti-la no ar, posso senti-la
na ponta dos dedos, posso ver calçadas construídas
para seus pés caminharem,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir a expectativa da minha risada,
posso vê-la acariciar um gato,
posso vê-la dormir,
posso ver seus chinelos no chão.

eu sei que ela existe
mas em que parte deste planeta ela está
enquanto as putas continuam me encontrando?

Charles Bukowski, O Amor é Um Cão dos Diabos

Monday, November 01, 2010

e no fim

A verdade é mais velha que o mundo, mais pesada que a história, uma
perda maior que o sangue, uma dádiva maior que o pão.

Jack Kerouac, Despertar: Uma Vida de Buda

Saturday, October 30, 2010

...

"Sentando-se sozinho, deitando-se sozinho, caminhando sozinho sem parar, e sozinho subjugando a si mesmo, deixe um homem ser feliz perto da margem de uma floresta."

"Os construtores de poços conduzem a água para onde querem;
os fabricantes de flechas submetem a seta;
carpinteiros submetem um tronco de madeira;
boas pessoas moldam a si mesmas."

- Darmapada

Jack Kerouac, Despertar: Uma Vida de Buda

Tuesday, October 26, 2010

amor e ódio

Mas naquela época, justamente em meio a estas comoções e perturbações, descobri que, se desejasse realmente libertar-me da minha rigidez e tomar um decisão, cada um dos meus atos, e todos os movimentos que existiam em mim iam sempre ao teu encontro, e te procuravam. Então, quando pela primeira vez, após este luto apático, vi-me obrigado a pensar novamente no dia de amanhã, quando atrás de ti ergueu-se novamente o destino, enviando-me a dura pergunta através da tua voz que se havia tornado estranha: "O que queres fazer?" - neste momento todo o gelo pareceu derreter-se em mim. Da geleira brotou a onda, arremessando-se com todo vigor ao encontro da margem, sem hesitações e sem dúvidas. Quando me perguntaste sobre o futuro e me encontraste indefeso, e eu passei uma noite insone, atormentado por esta angústia, soube, ao reencontrar-te de manhã, que és a amiga sempre nova, sempre jovem, a minha eterna meta, e que para mim existe apenas uma realização que tudo abrange: ir ao teu encontro.

As tuas cordas são ricas, e por mais longe que eu possa ir - sempre estás novamente diante de mim.

Rainer Maria Rilke, O Diário de Florença

only your words melt my twenty year freeze
Descendents - In Love this Way

Estou falida e não tenho como comprar livros, então decidi tentar terminar de ler Do Outro Lado do Rio, Entre as Árvores do Hemingway. Insuportável define essa obra, mas sou contra deixar algo pela metade, até para não falar mal injustamente. Tentei achar beleza nos livros dele, já li três ou quatro, não me recordo. Não entendo como ele ganhou Prêmio Nobel de Literatura. Quem acha que ele foi legal... precisa ler algo além de O Velho e o Mar. Digo isso sem arrogância ou pretensão, apenas sinceridade. Sem mais.

Friday, October 22, 2010

virei nuvem.

Vivemos tão mal porque chegamos sempre inacabados ao presente, incapazes e dispersos em tudo. Não consigo recordar nenhum momento da minha vida sem tais censuras e outras maiores. Acho que só nos dez dias após o nascimento de Ruth* vivi sem perda; achando a realidade, até o mais ínfimo, tão indescritível, como ela provavelmente sempre é.

* fila de Rilke

Rainer Maria Rilke, Cartas Sobre Cézanne












Lembrei do seguinte trecho de Waking Life:

(...) And that's what film has. It's just that moment, which is holy. You know, like this moment, it's holy. But we walk around like it's not holy. We walk around like there's some holy moments and there are all the other moments that are not holy, right, but this moment is holy, right? And if film can let us see that, like frame it so that we see, like, "Ah, this moment. Holy." And it's like "Holy, holy, holy" moment by moment. But, like, who can live that way? Who can go, like, "Wow, holy"? Because if I were to look at you and just really let you be holy, I don't know, I would, like, stop talking.

Well, you'd be in the moment, I mean ....

Yeah

The moment is holy.

Thursday, October 21, 2010

rabo de galo

It's quite clear that I'm back in the swing of the living,
although I might not be on the right track.

Sublime - New Realization

Postei essa letra há alguns anos. Sigo tentando acertar.


















Rooster Man por Opie Ortiz

e o cachorrinho riu*

(...) como poderia eu ter chegado à idade de que gozo hoje sem estes períodos de repouso e respiração funda? Como poderia eu ter lutado para abrir caminho até à serenidade com que hoje contemplo os erros da juventude e com que suporto os terrores da idade? Como poderia ter chegado ao ponto de ser capaz de extrair as consequências do meu temperamento reconhecidamente infeliz, digamos antes, para não ser tão rude, do meu temperamento pouco feliz, e conseguir viver quase em perfeito acordo com elas? Solitário e afastado, sem nada em que me ocupar a não ser as minhas desesperadas investigações, a meu ver absolutamente indispensáveis, é este o modo como vivo; contudo, no meu isolamento, não perdi de vista os meus, frequentemente chegam até mim notícias deles, e de vez em quando até consinto que recebam notícias minhas. Os outros tratam-me com respeito, mas não compreendem o meu gênero de vida (...)

Franz Kafka, A Grande Muralha da China

*quem leu Pergunte ao Pó do Fante entenderá essa.

Wednesday, October 20, 2010

sobre viver na toca

Todos estes anos tenho tido imensa sorte, e a sorte estragou-me; tenho tido preocupações, mas a preocupação não conduz a nada de concreto, quando se tem a sorte a apoiar-nos.

Franz Kafka, A Grande Muralha da China

I know it's tough sometimes to be with me
When I'm predicting rain most every day
Lately I've been right, almost every time

Descendents - Lucky

Tuesday, October 19, 2010

...

Se ainda existirem temores ou dúvidas em suas almas, rejeitem ambos e não os levem em conta. Mesmo que avultem em seus caminhos: haverá sempre montanhas erguendo-se diante do passado.

Rainer Maria Rilke, O Diário de Florença

Apenas um fragmento. Me fez lembrar do final de Trópico de Câncer, não sei exatamente o porquê. Tenho que comentar algumas coisas que andei lendo, mas vou empurrar com a barriga (para não perder o costume) e escrever outro dia.

Monday, October 18, 2010

o caminho em direção a si mesmo.

Se já estou suficientemente calmo e maduro para iniciar o diário que pretendo passar às tuas mãos - não o sei. Sinto, porém, que minha alegria permanece impessoal e sem brilho, enquanto dela não participares como confidente - ao menos por intermédio de alguma anotação íntima e sincera sobre esta alegria em um livro que te pertence. Começarei, então. E aceito de bom grado como augúrio o fato de iniciar esta demonstração da minha saudade nestes dias que um ano inteiro separa daqueles em que, com o mesmo anseio, eu caminhava ao encontro de algo indeterminado, não sabendo ainda que tu és a realização para a qual me preparava em versos inquiridores.

xxx

Saibam, pois, que a arte é: um caminho para a liberdade. Todos nós nascemos acorrentados. Um ou outro esquece os seus grilhões, revestindo-os de prata ou de ouro. Mas nós queremos quebrá-los. Não com violência torpe e selvagem; queremos nos desvencilhar crescendo, até que eles não nos caibam mais.

Rainer Maria Rilke, O Diário de Florença

Thursday, September 30, 2010

não sei, hein.

(...) sussurrava palavras que já disse mil vezes antes, para mil homens. Mas isso não importa. Antes de mim não houve homens e depois também não haverá. Não é sua culpa se não tem qualquer frase jamais usada para o que sente... é suficiente que sinta.

Henry Miller, Opus Pistorum

Melhor pensar bem e descobrir o real significado das palavras do que sair despejando tudo aleatoriamente, desperdiçando-as. Até aqui o livro se resume a pedofilia, incesto, estupro e adultério. Aguardo páginas melhores.

Tuesday, September 28, 2010

é.

Obras de arte são de uma solidão infinita, e nada pode passar tão longe de alcançá-las quanto a crítica. Apenas o amor pode compreendê-las, conservá-las e ser justo em relação a elas.

É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la.

Rainer Maria Hilke, Cartas a Um Jovem Poeta

Incrível ler essas cartas nesse período da minha vida. Esses dias ouví uma banda com o nome do poeta e pensei que deveria conhecer um pouco da obra dele e hoje, totalmente por acaso (ou não) fui em um sebo e o primeiro livro que encontro é esse. Grandioso. Vou seguir os conselhos.

Monday, September 27, 2010

i against i*

O homem mata por medo - e o medo tem tantas cabeças quanto a hidra: quantas mais cortamos, mais tantas nascerão. Uma eternidade não basta para eliminar os demônios que nos torturam. Quem pôs os demônios aqui? Cada um deve encontrar a sua própria resposta a essa pergunta. Que cada homem procure no próprio coração. Nem deus nem o diabo são responsáveis, e certamente não são responsáveis monstros de araque como Hitler, Mussolini, Stalin e outros mais. Também não são responsáveis bobagens como o catolicismo, o capitalismo ou o comunismo. Quem pôs os demônios em nossos corações para que nos torturassem? Uma boa pergunta, e se a única forma de descobrir é ir a Epidauro, então sugiro a todos que deixem seus afazeres de lado, imediatamente, e vão até lá.













Terei mais e mais amigos à medida em que o tempo avançar. Se eu tivesse dinheiro, poderia me tornar negligente, acreditando numa segurança que não existe, me agarrando a valores fúteis e ilusórios. Não tenho ilusões a respeito do futuro. Nos dias negros que nos aguardam, o dinheiro vai valer cada vez menos como proteção contra o mal e o sofrimento.

Destruíra todos os meus inimigos, um por um, mas sequer reconheci o maior de todos: eu mesmo.

Henry Miller, O Colosso de Marússia

*Bad Brains

imaginary war

o medo de morrer não se compara ao medo de que haja vida após a morte. não quero passar por isso de novo.

obs: estou de bom humor.

Friday, September 24, 2010

...

Costumava ficar horas e horas esticado ao sol, fazendo nada, pensando em nada. Manter a cabeça vazia é um feito e tanto, e um feito muito útil. Ficar calado durante o dia inteiro, não ler nenhum jornal, não ouvir rádio, não prestar atenção em nenhuma fofoca, estar inteiramente e completamente relaxado, inteira e completamente indiferente à sorte do mundo, é o melhor remédio que um homem pode encontrar. A aprendizagem dos livros vai se evaporando gradualmente; os problemas se derretem ou dissolvem; as ligações se cortam com toda a suavidade; pensar, quando a gente se dá ao luxo de pensar, torna-se algo extremamente primitivo; o corpo se transforma em novo e maravilhoso instrumento; você olha para as plantas e para os peixes com novos olhos; você fica imaginando o que será que as pessoas estão querendo com a sua atividade frenética; você sabe que há uma guerra acontecendo, mas não tem a mínima idéia dos motivos ou por que as pessoas se divertem matando-se umas às outras; você olha para um lugar como a Albânia (que me encarava constantemente) e diz de si para si, ontem era grega, hoje é italiana, amanhã poderá ser alemã ou japonesa, e você deixa que seja o que bem entender. Quando você está bem consigo mesmo, não importa a bandeira que esvoaça sobre sua cabeça, ou quem é dono de você, ou se você fala inglês ou algum dialeto desconhecido do norte da África. A falta de jornais, a falta e notícias sobre o que os homens estão fazendo nas diferentes partes do mundo para tornar a vida mais agradável ou mas desagradável é a maior felicidade. Se nós pudéssemos simplesmente eliminar os jornais, tenho certeza de que a humanidade faria um grande progresso. Os jornais alimentam mentiras, ódios, avareza, inveja, suspeita, medo, malícia. Nós não precisamos da verdade da forma como ela nos é servida nos jornais. Nós precisamos de paz e solidão e preguiça. Se nós pudéssemos entrar todos em greve e honestamente nos desligarmos do interesse no que o vizinho está fazendo, teríamos um novo tipo de vida. Nós podemos sobreviver sem telefones, rádios, jornais, sem máquinas de espécie alguma, sem fábricas, sem moinhos, sem minas, sem explosivos, sem navios de guerra, sem políticos, sem advogados, sem alimentos enlatados, sem gadjgets, até mesmo sem lâminas de barbear, ou celofane, ou cigarros, ou dinheiro. Eu sei que isso é um sonho. As pessoas só batalham por melhores condições de trabalho, melhores salários, melhores oportunidades de se tornar algo que não são.

Henry Miller, O Colosso de Marússia

Wednesday, September 22, 2010

fragmentos

Falava a respeito de si mesmo porque era a pessoa mais interessante que conhecia. Gostei muito dessa característica - eu próprio tenho um pouco dela.

xxx

Naquele momento eu me alegrei de ser livre, livre de inveja, de medo e malícia. Poderia ter passado tranquilamente de um sonho a outro, devendo nada, lamentando nada, desejando nada. Nunca estive mais certo de que vida e a morte são uma só e que nenhuma delas pode ser apreciada ou alcançada se a outra não estiver presente.

xxx

Mas ninguém consegue explicá-lo de forma satisfatória. Ninguém pode explicar o que é único. A gente pode descrever, louvar e adorar.

Henry Miller, O Colosso de Marússia

eu sei, não me controlo. tô sublinhando tudo, superando a má impressão que o Primavera Negra causou.

happiness is a warm gun

Deus, eu estava feliz. Mas pela primeira vez na vida estava feliz com a plena consciência de estar feliz. É bom estar satisfeito; é um pouco melhor estar feliz e saber disso; mas compreender que você está feliz e saber por que e como, de que jeito, por que concatenação de acontecimentos ou circunstâncias, e ainda assim estar feliz, instintivamente e racionalmente, bem - isso é muito mais do que a felicidade em si mesma, é o delírio, e se você tem um pingo de bom senso, deve se matar ali, no ato, e acabar com tudo.

Henry Miller, O Colosso de Marússia

Tuesday, September 21, 2010

não dou mesmo.

- Não se iluda com as minhas palavras - respondeu o abade. - Limito-me a expor as diversas teses a respeito. Não dê importância excessiva às interpretações. A escritura é imutável e as interpretações frequentemente não são mais que a expressão do desespero que os intérpretes sentem ante isso.

Kafka, O Processo


Friday, September 17, 2010

all? no, ALL!















ah, eu não estou muito preocupada com esse tipo de coisa no momento, mas ouvir Billie Holiday na madrugada torna tudo mais agradável e eu me sinto à vontade para encaixar um pouco de romantismo aqui. não sei se a letra é dela mesmo, mas a voz é, então tá valendo.

All or nothing at all
Half love never appealed to me
If your heart never could yield to me
Then I'd rather have nothing at all

coisa linda.

Wednesday, September 15, 2010

let my own lack of a voice be heard*

Entreguei-me ao ópio do sonho a fim de enfrentar a hediondez de uma vida de que eu não participava.

Henry Miller, Primavera Negra

i am the ghost of all my dreams
to me it's all pretend
i pretend i'm alive
or just not dead

X - Because I Do

* trecho do Burning Man em Waking Life.

Monday, September 13, 2010

box

- Ele está perdendo o juízo - diz Jill.
- Errado de novo, diz Jabber. - Eu acabo de encontrar meu juízo, só que é uma espécie de juízo diferente daquela que você imaginou. Você pensa que um poema precisa ter capa em volta. No momento em que você escreve uma coisa o poema cessa. O poema é o presente que você não pode definir. Você o vive.

Henry Miller, Primavera Negra

I can't say it like I sing it.
And I can't sing it like I think it.
And I can't think it like I feel it.
And I don't feel a thing.

Pedro the Lion - The Fleecing

Friday, September 10, 2010

...

Essa porra é um campo minado
Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui,
Mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho
A minha vida é aqui e eu não preciso sair
É muito fácil fugir, mas eu não vou
Não vou trair quem eu fui, quem eu sou
Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim.

Racionais MC's – Fórmula Mágica da Paz

Wednesday, September 08, 2010

the bridge














...na ponte do Brooklyn um homem está parado em agonia, esperando para saltar, esperando para escrever um poema ou esperando que o sangue deixe seus vasos porque se avançar mais um passo a dor de seu amor o matará.

Henry Miller, Primavera Negra

Aproveitando a dúvida entre pular ou não, indico o documentário the bridge. Achei um pouco repetitivo, mas o tema abordado é interessante (ou ao menos curioso), então compensa qualquer falha de roteiro ou produção.

Tuesday, September 07, 2010

ah...

Quando cada coisa é vivida até o fim não há morte e não há remorsos, nem há uma primavera falsa; cada momento vivido abre um horizonte maior e mais largo do qual não há como fugir senão vivendo.

Henry Miller, Primavera Negra

Sunday, September 05, 2010

estilo guerra fria

Também é verdade que tu nunca bateste em mim de fato. Porém os gritos, o vermelhão do teu rosto, o gesto de tirar a cinta e deixá-la pronta no espaldar da cadeira eram quase piores para mim. É como quando alguém será enforcado. Se ele realmente é enforcado, morre e acaba tudo. Mas se tem de presenciar todos os preparativos para o enforcamento e só fica sabendo do indulto quando o laço pende diante de seu rosto, nesse caso ele talvez venha a sofrer a vida inteira por causa disso.

Kafka, Carta ao Pai

Friday, September 03, 2010

...

...o enredo se apresentava mais complexo do que na imaginação de qualquer dramaturgo. Mas o acaso também é um autor genial!

Honoré de Balzac, A Menina dos Olhos de Ouro

Wednesday, September 01, 2010

honey peeps

Para ela a nossa separação tinha sido um ponto final. "Para sempre", dissera. Assim mesmo, durante meus passeios noturnos, pensando nela, passando em frente à casa onde morara quando criança, parecia-me inacreditável que ela tivesse conseguido afastar-me para sempre do seu coração e dos seus pensamentos... Nós devíamos ter aceito o conselho da moça gorduchinha e nos casado. Teria sido a solução perfeita. Se eu pudesse adivinhar onde ela estava, teria tomado um trem e partido ao seu encontro. Ainda estava ouvindo aqueles soluços na rua escura. Como poderia eu saber se Chirstine não estaria soluçando também - naquele mesmo instante, em algum lugar remoto?

Henry Miller, Dias de Clichy & Uma Noite em Newhaven

Monday, August 30, 2010

música da semana

So alone I wrote, I wrote this will, I will decline
This fish ain't big, this pond is small, so small of mind

Jawbreaker - Friendly Fire

Sunday, August 29, 2010

clássico

É melhor morrer de pé do que viver ajoelhado.

Ernest Hemingway, Do Outro Lado do Rio, Entre as Árvores

Thursday, August 26, 2010

atemporal

Todo poder humando é uma mistura de paciência e de tempo. As criaturas poderosas querem - e velam. A vida do avarento é um constante exercício da potência humana colocada a serviço da personalidade. Ele só se apóia sobre dois sentimentos: o amor-próprio e o interesse; mas, como o interesse é de certo modo o amor próprio sólido e bem compreendido, a comprovação permanente de uma superioridade real, o amor próprio e o interesse são duas partes de um mesmo todo, o egoísmo.

Honoré de Balzac, Eugênia Grandet

Tuesday, August 24, 2010

extra

Eu não a amo! Será que ela não me ouve gritando isso? Eu não a amo! Vezes e vezes eu grito, com os lábios cerrados, com ódio no coração, com desespero, com raiva desesperada. Mas as palavras nunca saem de meus lábios. Olho-a e tenho a língua presa. Não posso fazer isso... Tempo, tempo, tempo interminável em nossas mãos e nada com que enchê-lo a não ser com mentiras.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Lembrei dele. Lembrei de quando tentou explicar sua absurda, gritante e injustificável decadência dizendo "era o que tinha".

miau

Houve uma chance por um instante encantado. Essa chace foi desperdiçada. Caminho errado. Hora errada. Cedo demais. Tarde demais.

William Burroughs, O Gato por Dentro

Monday, August 23, 2010

e agora?

Preciso de você porque eu não estava bem preparado para fazer o que fiz. Não se lembra de ter-me dito que era desnecessário fazer a viagem, mas que eu a fizesse se precisava disso? Por que não me convenceu a não partir? Ah, convencer não era para ele. E pedir conselho nunca fora para mim. Por isso aqui estou, falido no deserto; a ponte que era real ficou atrás de mim, o que é irreal está à minha frente e, só cristo sabe, estou tão confuso e desorientado que se pudesse seria capaz de afundar-me na terra e desaparecer.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Thursday, August 19, 2010

pisou na grama

Estou louco, louco de dor, louco de angústia. Estou desesperado, mas não estou perdido. Não, existe uma realidade a que eu pertenço. É longe, muito longe. Talvez eu ande desde agora até o dia do juízo final de cabeça baixa sem encontrá-la. Mas ela está lá, disso tenho certeza. Lanço sobre as pessoas olhares assassinos. Se pudesse jogar uma bomba e reduzir a pedacinhos todo o bairro eu o faria. Sentir-me-ia feliz vendo-os voar pelos ares, estropiados, gritando, despedaçados, aniquilados. Desejo aniquilar a terra inteira. Eu não faço parte dela. É insana do começo ao fim.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Blake Schwarzenbach,

me calo perante a tua genialidade.

Wednesday, August 18, 2010

It ain't written so don't try to read it.

Lembro-me de que na primeira vez que nos separamos essa idéia de totalidade me agarrou pelos cabelos. Quando me deixou, ela fingiu ou talvez acreditasse mesmo que isso era necessário para nosso bem-estar. No fundo do coração eu sabia que ela estava tentando livrar-se de mim, mas era muito covarde para admitir tal coisa. Quando percebi, porém, que ela podia passar sem mim, mesmo por um tempo limitado, a verdade que eu tentara expulsar começou a crescer com alarmante rapidez. Era mais dolorosa que qualquer outra coisa por mim já experimentada antes, mas era também salutar. Quando fiquei completamente esvaziado, quando a solidão atingiu um ponto em que não podia mais ser aguçada, senti de repente que, para continuar vivendo, esta verdade intolerável precisava ser incorporada a algo maior que a estrutura do infortúnio pessoal. Senti que eu havia feito uma imperceptível mudança para outro reino, um reino de fibra mais resistente e elástica, senti que a mais horrível verdade era impotente para destruir-me. Sentei-me para escrever-lhe uma carta dizendo-lhe que a idéia de perdê-la me deixava tão miserável que eu decidira começar um livro a seu respeito, um livro que a imortalizaria. Seria um livro, disse eu, como nunca se vira outro antes. Continuei a divagar assim em êxtase e no meio disso de repente pus-me a perguntar por que me sentia tão feliz.

Passando por baixo do salão de dança, pensando de novo neste livro, percebi de repente que nossa vida chegara ao fim: percebi que o livro que eu estava planejando nada mais era do que um túmulo para enterrá-la - e para enterrar o eu que pertencera a ela. Isso foi há algum tempo e desde então venho tentando escrevê-lo. Por que é tão difícil? Por quê? Porque a idéia de "fim" é intolerável para mim.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

You're in all the books I read.
A hundred pages out of reach


Jawbreaker - First Step

Tuesday, August 17, 2010

...

Sócrates - O uso da escrita, Fedro, tem um inconveniente que se assemelha à pintura. Também as figuras pintadas têm a atitude de pessoas vivas, mas se alguém as interrogar conservar-se-ão gravemente caladas. O mesmo sucede com os discursos. Falam das coisas como se as conhecessem, mas quando alguém quer informar-se sobre qualquer ponto do assunto exposto, eles se limitam a repetir sempre a mesma coisa. Uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda parte, não só entre os conhecedores mas também entre os que não entendem, e nunca se pode dizer para quem serve e para quem não serve. Quando é desprezado ou injustamente censurado, necessita do auxílio do pai, pois não é capaz de defender-se nem de se proteger por si.

Platão, Fedro

Expressions and words.
They're nothing but letters.
Emotionally illiterate.
Severely inarticulate.

Cap'n Jazz - Aok

Monday, August 16, 2010

comodismo

Queres te tornar cada vez mais virtuoso? Confia em ti e não na pessoa que te ama, pois o que ama louvará sempre as tuas palavras e teus atos sem se preocupar com a verdade e com o bem, de medo de te perder ou pela simples cegueira que é própria da paixão. São estas as ilusões do amor. O amor infeliz aflige-se com aquilo que a ninguém incomoda; o amor feliz acha que tudo é encanto, as menores e mais insignificantes coisas. O amor é mais digno de piedade do que de inveja. Se cederes aos meus desejos, não me verás à procura, na tua intimidade, de um simples prazer efêmero. Hei de estar vigilante a que nos liguem interesses duráveis, pois que, liberto do amor, sou capaz de me dominar.

trecho do discurso de Lísias sobre o amor
Platão, Fedro

Friday, August 13, 2010

ode to DROKZ

talkin' about i already droks, talkin' about i already miss you, talkin' about missing you i already droks... porra, como é mesmo o nome da música? tu sempre erra. resolvi homenagear meu guru musical: predo, pedro, droks, skord, drox. que (nem) sempre está fortalecendo a amizade. infelizmente moramos em PRAÇAS distantes, mas enfim, nem tudo é perfeito como as bandas que tu me indicou (exceto as góticas e obscuras, claro). além de ser meu único leitor por anos, me dedicou pretty little girl traduzida via depoimento, apresentou jawbreaker - banda que disse o que eu precisava ouvir tantas vezes (primeira canção foi sea foam green, diga-se de passagem). me mostrou armchair martian, the germs (lembro que citou um trecho de lexicon devil e eu fiquei BOLADA e fui atrás) the vicious, dinosaur jr, me mandou MILESTONE quando eu não achava pra baixar no auge dos meus 20 anos, drag the river (lembro que tu me desafiou falando que eles tinham várias músicas boas e não entendia porque eu só escutava until i say so). sinto muito por ter perdido o show da xarrastarx, mas sabe como é, sou assim (fraca, haha). sempre perco shows, sempre bebo coca light, sempre saio na rua de moletom com capuz e sou confundida com marginais, (nem) sempre faço bottons com a cara de algum amigo e mando pro sá666. mas por outro lado, meu casaco é eternamente perfumado e eu posso pendurar no elevador e tornar tua vida mais agradável. agoran estou vestindo a camiseta rosa do merda que tu me deu, após anos de cobiça. mulheres eu já li. o adesivo do buk eu já colei. COLEI NA QUEBRADA.

aí (sei que tu curte um "aí" bem empregado), grata por todas as dicas boas, pelas noites jogando stop com características do milo, por tocar piano e andar de bicicleta. nunca te escuto de primeira, mas antes tarde do que nunca. não me venha com SMALL BLOCK. "sacanajjj"

obs: já fez teu last.fm?
obs2: ]

Thursday, August 12, 2010

never leave a job half done

Una que me fazia tremer só de olhar pra ela, Una a quem eu tinha medo de beijar ou mesmo de tocar na mão. Onde está Una? Sim, de repente, essa passa a ser a pergunta causticante: onde está Una? Em dois segundos fico completamente enervado, completamente perdido, desolado, na mais horrível angústia e desespero. Como a deixei ir? Por quê? Que aconteceu? Quando aconteceu? Eu pensava nela como um maníaco dia e noite, ano após ano, e depois, sem que eu reparasse, ela desapareceu da minha mente, assim como um níquel que cai por um buraco no fundo do bolso. Incrível, monstruoso, louco. Porque tudo que eu tinha a fazer era apenas pedir-lhe que se casasse comigo, pedir sua mão - só isso. Se eu o fizesse ela teria dito sim imediatamente. Amava-me, amava-me desesperadamente. Sim, lembro-me agora, lembro-me de como me olhou na última vez em que nos encontramos. Estava me despedindo porque ia partir naquela noite para a California, deixando tudo para começar uma vida nova. E nunca tive a menor intenção de levar uma vida nova. Pretendia pedir-lhe que se casasse comigo, mas a história que havia inventado como um toxicômano saiu de meus lábios tão naturalmente que eu próprio acreditei nela. Por isso disse adeus e me afastei. Ela ficou lá me olhando e eu senti seus olhos me atravessarem de um lado ao outro, ouvi-a gemendo por dentro, mas como um autômato continuei andando, finalmente virei a esquina e isso foi o fim de tudo. Adeus! Assim. Como em estado de coma. E eu queria dizer: Venha comigo! Venha comigo porque não posso mais viver sem você!

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Impossível não me ver ali. Vivo um amor romântico há dois anos. O romântico clássico, aquele que jamais se concretiza, aquele em que ambos sofrem, cada um de um lado da cidade. I must live to know that healing takes some time (Hot Water Music - Remedy).

Tuesday, August 10, 2010

poema no trem

tua imagem é como uma sombra
posso não olhar,
mas sei que está aqui
do lado, atrás ou na frente,
cercando, acompanhando meus passos,
grudada em mim.

ela atrapalha minha visão,
mas é a ÚNICA prova
de que ainda há luz.

tractor rape chain

Era algo inconcebível pra mim que alguém pudesse fazer promessas sem ter a menor intenção de cumpri-las. Mesmo quando ficava mais cruelmente decepcionado eu ainda acreditava; acreditava que algo extraordinário e absolutamente além das forças da pessoa interviera para tornar a promessa nula.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Sunday, August 08, 2010

sério

Quando eu vejo alguém fumando, automaticamente penso que essa pessoa é: insegura, ignorante, atrasada e, acima de tudo, CAFONA (supere os anos 80, por favor). A vida vai se tornar LITERALMENTE menos intragável quando as pessoas pararem de fumar nas ruas. Fumar numa calçada lotada, onde os indivíduos que estão do lado e atrás são obrigados a ficar perto e, consequentemente, respirando aquela fumaça é o cúmulo da invasão do espaço alheio, total falta de noção de como conviver harmoniosamente em sociedade, absurda falta de respeito e educação. É quase engraçado! Tu ali preso, tentando passar, sendo tomado pela nuvem de nicotina alheia. Depois de obrigar todos que estão próximos a fumar passivamente, o desgraçado joga o cigarro no chão (brasileiro que se preze ignora a existência de cinzeiros, afinal, temos calçadas aí para isso). Eis que ele atinge seu ápice: vira OFICIALMENTE entulho (para depois grudar na sola do meu tênis, entupir um bueiro ou iniciar um incêndio). Já passou da hora de parar com a escrotisse.

nota dominical

You're not the first you're not the last
Another day another crash


The Germs - The Other Newest One

Thursday, August 05, 2010

mestre

Não sei se vocês (pretencioso falar no plural, mas ok, volta e meia alguém chega aqui acidentalmente com uma busca sem nenhum sentido no google) estão preparados para tamanha breguisse, mas a verdade é que o Henry Miller me completa. Hoje no trem eu li um trecho de Trópico de Capricórnio que quase levantei e recitei. Tive vontade de abraçar o livro (não creio que fosse adiantar alguma coisa), sair contando pra todo mundo como aquilo era genial e lindo! E eu me sinto assim toda hora com a obra dele. Não importa se ele foi polêmico ou pedia dinheiro pra todo mundo, muito menos se foi promíscuo. Engraçado como geralmente os mais talentosos são os que mais se fodem na vida. Admiro profundamente o trabalho dele. Simplesmente não consigo parar de ler. Ele fala das coisas com muita propriedade, força, muito ódio ou muito amor, soa sempre verdadeiro e certeiro. Até quando ele se dizia confuso, parece esclarecedor. Ah, sério, os textos dele dizem muito sobre a minha personalidade. Não acho que isso seja bom, mas é a verdade e eu (con)vivo com ela, e mais, acredito nela e estando certa ou não, defendo até o fim. Obrigada por iluminar o meu abismo, transportar o meu vazio, confirmar minhas teorias sobre Ser de capricórnio e dizer o que eu não consigo externar.


















"Depois que nos separamos, nunca senti necessidade de sua presença efetiva; ele se dera a mim completamente e eu o possuíra sem ser possuído."

Tuesday, August 03, 2010

eu piso.

Fanático! Lembro-me que essa palavra foi assacada contra mim desde a infância. Especialmente pelos meus pais. Que é um fanático? Uma pessoa que acredita apaixonadamente e age desesperadamente com base no que acredita. Eu sempre acreditei em algo e assim me meti em encrencas. Quanto mais batiam em minhas mãos, mais firmemente eu acreditava. Eu acreditava - e o resto do mundo não acreditava! Se fosse apenas uma questão de suportar castigo, a gente poderia continuar acreditando até o fim.  Mas a maneira do mundo é mais insidiosa. Ao invés de ser castigado, você é minado, solapado, tiram-lhe o terreno debaixo dos pés. Não é sequer traição o que eu tenho em mente. Traição é compreensível e combatível. Não, é algo pior, algo menos que traição. É um negativismo que o leva a exceder-se. Você está perpetuamente gastando sua energia no ato de equilibrar-se. É dominado por uma espécie de vertigem espiritual, cambaleia na beira,  fica com os cabelos em pé, não pode acreditar que por baixo de seus pés exista um abismo imensurável. Isso acontece devido a excesso de entusiasmo, devido a um desejo apaixonado de abraçar pessoas,  de mostrar-lhes seu amor. Quanto mais você se estende em direção ao mundo, mais o mundo recua. Ninguém quer amor verdadeiro, ódio verdadeiro. Ninguém quer que você ponha a mão em suas sagradas entranhas - isso é só para o padre na hora do sacrifício. Enquanto você viver, enquanto o sangue ainda estiver quente, tem que fingir que não existe sangue, que não existe esqueleto por baixo da cobertura de carne. Não pise na grama! Esse é o lema pelo qual as pessoas vivem.

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Sunday, August 01, 2010

O Ciumento

"E eu fiquei com o desejo de chegar ao fim desta história, exemplo e espelho da desconfiança que devemos ter em chaves, rodas e paredes, quando a vontade permanece livre e do mesmo modo, da desconfiança que se deve ter nos verdes e poucos anos (...)"

Miguel de Cervantes, Novelas Exemplares

Saturday, July 31, 2010

finalmente

Espíritos inquietos, mas não aventurosos. Espíritos angustiados, incapazes de viver no presente. Covardes desgraçados, todos eles, inclusive eu próprio. Só existe uma grande aventura e essa é para dentro do próprio eu. Para essa não importa o tempo, nem espaço nem mesmo feitos.






















Em todo lugar onde ia fomentava discórdia, não porque fosse idealista, mas porque era como um holofote mostrando a estupidez e a futilidade de tudo. Além disso, eu não era bom puxa-saco. Isso me marcava, sem dúvida alguma

Henry Miller, Trópico de Capricórnio

Tuesday, July 27, 2010

Chanson de La Plus Haute Tour

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Tenho tido paciência,
Nunca esquecerei.
Temores e dores
Para os céus se foram.
E uma sede insana
Tolda as minhas veias.

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Estou como o campo
Entregue ao olvido,
Crescido e florido
De joios, resinas,
Ao bordão selvagem
Das moscas imundas.

Que venha, que venha
A hora da paixão.


Arthur Rimbaud

Monday, July 26, 2010

Mauvais Sang (Mau Sangue)

"A gente não parte. Retoma o caminho, e carregando meu vício, o vício que lançou raízes de dor ao meu lado desde a idade da razão, e sobe ao céu, me bate, me derruba, me arrasta.
A última inocência e a última timidez. Está dito. Não levar ao mundo meus dissabores e minhas traições.
Vamos! O ir, o fardo, o deserto, o tédio e a cólera.
A quem me alugar? Que animal é preciso que adore? Que santa imagem nos agredirá? Que corações partirei? Que mentira devo sustentar? Em que ânimo avançar?"

Arthur Rimbaud, Uma Temporada no Inferno

oi?

Acabei com a correspondência do Rimbaud e estou lendo Cervantes, logo, ficarei sem postar trechos por algum tempo. Ok, não é uma certeza, mas pelo estilo dele acho difícil conseguir separar poucas linhas sem comprometer o sentido total. Vamos de Milo, então:

My world is my mind
I'm locking myself inside
People they can't get in
I have no use for them

Saturday, July 24, 2010

12 de junho

O dia tá chuvoso. O clima tá tenso.
Vários tentaram fugir, eu também quero.
Mas de um a cem, a minha chance é zero.

Racionais Mc's - Diário de um Detento

Friday, July 23, 2010

aos meus.

Por enquanto, prefiro crer que vou melhorar como vocês querem que eu acredite, por mais estúpida que seja a existência, o homem sempre se apega a ela.

trecho da carta de Rimbaud a sua irmã Isabelle, 29 de Junho de 1891

Wednesday, July 21, 2010

Maison des Ailleurs

Eu continuarei achando muito triste viver sempre no mesmo lugar. Enfim, o mais provável é que sempre acabemos onde não queríamos ir, fazendo o que não gostaríamos de fazer. Vivendo e morrendo de maneira totalmente diferente do que queríamos, sem esperanças de nenhuma espécie de compensação.

trecho da carta de Rimbaud a sua família, 15 de Janeiro de 1885

Tuesday, July 20, 2010

...

"Eu, pobre de mim, não tenho nenhum apego à vida e, se vivo, estou acostumado a viver de cansaços, mas se for forçado a continuar a me cansar como agora e a me alimentar de tristezas tão grandes quanto absurdas nestes climas atrozes, receio abreviar minha existência."

trecho da carta de Rimbaud a sua família, 25 de Maio de 1881

new girl, old story

Na cama, com a outra, eu passava horas de desespero pensando onde poderia estar aquela que eu havia perdido. Exausto, eu tornava a cair dentro do fundo do poço. Que forma mais abominável de suicídio!  Não somente me destruí e destruí o amor que me devorava, como destruí tudo aquilo que estava ao meu alcance, inclusive aquela que se agarrava desesperadamente a mim enquanto dormia.

Henry Miller, O Mundo do Sexo

Today I heard the song that was playing
When I first kissed you
I woke up next to someone who wasn't you

I never thought I'd say this, Shreen
But I'm not happy

estático

Nossas leis e hábitos tem relação com a nossa vida social, nossa vida em comum; mas, na realidade, essa é a parte menos importante da nossa existência. A verdadeira vida começa quando estamos sozinhos, frente a frente com esse grande desconhecido que somos nós mesmos. O que acontece quando nos encontramos com outras pessoas é determinado pelos nossos diálogos íntimos. Os acontecimentos marcantes das nossas vidas - aqueles que realmente interessam - são frutos do silêncio e da solidão. Temos a tendência de atribuir muita coisa a encontros ocasionais e a nos referirmos a eles como ocorrências que marcam e definem nossas vidas, mas a verdade é que esses encontros não poderiam ter ocorrido se não estivéssemos preparados para enfrentá-los. Se fôssemos mais atentos, esses encontros ocasionais seriam muito mais gratificantes. Somente em determinadas épocas imprevisíveis de nossas vidas é que estamos, por assim dizer, em plena forma, em "sintonia" perfeita e, conseqüentamente, aptos para receber os favores do destino e da fortuna.

xxx

Hoje em dia parece que todos nós somos movidos apenas pelo medo. Temos medo até daquilo que é bom, saudável e alegre. (...) A única disciplina que a vida nos impõe, é aceitá-la como ela é. Tudo aquilo que fugimos, a que fechamos os olhos para não ver, tudo o que negamos, desprezamos ou denegrimos, acabará servindo apenas para derrotar-nos. Aquilo que parece ruim, doloroso e nocivo, pode ser transformado numa fonte de beleza, alegria e incentivo, sempre que encarado de frente, com coragem.

xxx

Transportamos nossos corpos de um lado para o outro da Terra com extrema rapidez, mas será que saímos do lugar onde estamos? Não. Estamos mentalmente, fisicamente e espiritualmente acorrentados. O que conseguimos ao derrubar montanhas, ao acumular a energia de rios caudalosos, ou ao mudar de lugar populações inteiras como se fossem peças de xadrez, se continuamos a ser as mesmas pessoas irrequietas, miseráveis e frustradas que éramos antes? Chamar tais atividades de progresso, é uma grande ilusão.

Henry Miller, O Mundo do Sexo

...













"Desejo, no entanto, dizer que você deve no fundo compreender, enfim, que era absolutamente necessário que eu partisse, que esta vida violenta e cheia de cenas sem motivos de sua fantasia não podia mais me encher o saco."

trecho da carta de Verlaine a Rimbaud, 3 de Julho de 1873

Monday, July 19, 2010

eu fico em casa.

"Fissurado para ir a um bar de que gostava, não havia ninguém que eu conhecesse, ou que quisesse conhecer. O balcão foi mudado, sem razão orgânica aparente, de um lugar para outro - garçons diferentes, nada que eu queira ouvir na máquina de música. (Estou no bar certo?) Todos se foram e eu estou sozinho em lugar nenhum. A cada noite, as pessoas são mais feias, os móveis mais horríveis, os garçons mais estúpidos, a música mais irritante, mais e mais, como um filme acelerado no vórtex da desintegração mecânica e da mudança sem sentido."

William Burroughs, Cartas do Yage

Sunday, July 18, 2010

acabou.

"Ainda outro pensamento me aflorou ao espírito: Porque eu estava tão obsessionado pela verdade?
E a resposta também surgiu clara e límpida. Porque existe somente a verdade e nada mais que a verdade."


















"Sabemos bem como você destrói as páginas de literatura em busca do que é do seu agrado. Descobrimos as pegadas desse espírito descuidado por toda parte. É você quem mata o gênio, quem estropia os gigantes. Você, você, seja por amor e adoração ou por inveja, despeito e ódio. Quem escreve para você escreve o próprio certificado de óbito."

Henry Miller, Nexus

Friday, July 16, 2010

fugaz.i

i burn a fire to stay cool 
i burn myself, 
i am the fuel 
i never meant to be cruel 
have you ever been cruel? 


she's not breathing 
she's not moving 
she's not coming back 


shut the door so i can leave 

Wednesday, July 14, 2010

statler #3

"Mas no instante em que entrei a fazer comparações entre seu corpo e o de Mona, percebi ser inútil prosseguir. Por mais carne e sangue que ela tivesse, eles continuavam a ser carne e sangue. Nada mais havia nela além do que se podia ver e tocar, ouvir e cheirar. Com Mona, a história era completamente outra. Qualquer porção do seu corpo servia para me inflamar. Sua personalidade jazia tanto na sua teta esquerda, a bem dizer, como no dedo mindinho direito. A carne falava de todas as partes, de todos os ângulos. Estranho: o corpo dela não era perfeito. Mas era melodioso e provocativo. O corpo ecoava suas disposições de espírito. Ela não tinha necessidade de alardeá-lo ou espicaçá-lo; tinha apenas de habitá-lo, de ser ele."


"Havia mil perguntas que eu morria de desejos de fazer-lhe, mas me controlei. Nem sequer perguntei por que trocara de navio. Que importava o que acontecera ontem, um mês atrás, cinco anos atrás? Ela estava de volta - e isso bastava."

Henry Miller, Nexus

sempre me pergunto

"A grande questão era essa pergunta eterna, aparentemente irrespondível: que tenho a dizer que ainda não foi dito, e milhares de vezes, por homens infinitamente mais dotados? Seria uma manifestação aguda do ego, essa necessidade coercitiva de ser ouvido? De que maneira eu era único? Pois, se não fosse único, então seria como acrescentar um zero a uma incalculável cifra astronômica."

Henry Miller, Nexus

Monday, July 12, 2010

bluebird

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?


charles bukowski

dot

"- Talvez você tivesse razão acerca de eu ser mais generoso comigo mesmo. Trata-se sem dúvida de um pensamento repousante. Dentro sou todo vigas de aço. Tenho de me derreter, adquirir fibras, cartilagens, linfa e músculos. Pensar que alguém conseguisse se tornar assim tão rígido... Ridículo, puxa! Eis o que resulta de se lutar com a vida.
Parou o necessário para tomar um grande gole, depois prossegiu.
- Você sabe, não existe no mundo uma só coisa digna de se lutar por ela, exceto a paz de espírito.


















No amor puro (que sem dúvida não existe absolutamente, exceto em nossa imaginação)", diz alguém que eu admiro, "o doador não percebe que ele nem dá do que dá, nem a quem dá, e ainda menos, se isso é apreciado ou não pelo recebedor."
De todo o meu coração eu digo "D'accord!" Mas nunca encontrei um ser capaz de expressar tal amor. Talvez apenas os que já não tem necessidade de amor possam aspirar a semelhante papel.
Estar livre da servidão do amor, apagar-se como uma vela, derreter-se de amor, fundir-se com o amor - que felicidade! É possível a criaturas como nós, fracas, orgulhosas, vãs, possessivas, invejosas, ciumentas, obstinadas, rancorosas? Obviamente não. Para nós, a corrida de ratos - no vácuo do espírito. Para nós, a ruína, a ruína eterna. Julgando necessitarmos de amor, cessamos de dar amor, cessamos de ser amados.
Mas mesmo nós, desprezivelmente fracos como somos, experimentamos ocasionalmente um pouco desse amor verdadeiro, desinteressado. Quem de nós não disse a si mesmo, na sua cega adoração de alguém além do seu alcance: "Que me importa que ela nunca seja minha! Só me interessa que ela exista, que eu possa venerá-la e adorá-la para sempre!" E embora insustentável essa opinião exaltada, o amante que assim argumenta pisa chão firme. Ele conheceu um momento de amor puro. Nenhum outro amor, por mais sereno e duradouro, se lhe pode comparar.
Transitório como possa ser esse amor, pode-se afirmar ter havido uma perda? A única perda possível - e como o verdadeiro amante a conhece bem! - é a falta daquela afeição imperecível que o outro inspirou. Que dia insípido, fatídico, o dia em que o amante percebe, de súbito, que já não está possuído, que está curado, a bem dizer, do seu grande amor! Quando a ele se refere, mesmo inconscientemente, como uma "loucura"! A sensação de alívio engendrada por semelhante despertar talvez leve alguém a crer com toda sinceridade haver reconquistado a liberdade. Mas a que preço! Que liberdade mais escassa! Não é uma calamidade fitar-se uma vez mais o mundo com os óculos de cada dia, com a sabedoria do cotidiano? Não é de dor no coração encontrar-se cercado de seres familiares e comuns? Não é alarmante pensar que se deve prosseguir vivendo, conforme dizem, mas com pedras na barriga e seixos na boca? Encontrar cinzas, nada mais do que cinzas, onde outrora havia sóis ardentes, milagres, glórias, milagres sobre milagres, glória atrás de glória, e tudo livremente criado, como se proveniente de uma fonte mágica?
Se existe algo que se presta a ser chamado de miraculoso, não é o amor? Que outra força, que outro poder misterioso capaz de revestir a vida de inegável esplendor?"

Henry Miller, Nexus

Comprei essa edição de '68, então caso eu coloque um acento errado, ignore, pois estou lendo coisas lindas como "êle" o tempo todo. Vale a pena ler esse trecho sobre o amor mais de uma vez. É impossível não concordar com o que foi dito. Não se vive assim, mas já experimentei. Agora só falta reconquistar a pseudo liberdade.

Sunday, July 11, 2010

pago a dose e vou embora














"Meus modos, por vezes abomináveis, podem ser meigos. Virei um bêbado enquanto envelhecia. Por quê? Porque gosto do êxtase da mente.
Sou um Desgraçado.
Mas amo o amor."

Jack Kerouac, Satori em Paris

Thursday, July 08, 2010

sem mais laranjas.

"É a pessoa de quem você mais quer ter notícias a que nunca se dá ao trabalho de escrever. A complacência, se é este o caso, ou a indiferença de tais indivíduos é irritante; algumas vezes, pode deixar a pessoa frenética. Essa sensação de frustração pode, e isto de fato acontece, persistir até que, descobrimos que não estamos sozinhos, não estamos isolados, e não é importante receber uma resposta. Até despertar a consciência de que tudo o que importa é dar, e dar sem pensar em retribuição.
Algumas pessoas de quem inutilmente esperei uma resposta descobri, mais tarde, que estavam na mesma situação difícil na qual agora me encontro. Como seria maravilhoso, se eu soubesse disso na ocasião, ter escrito e dito: "Não se preocupe em responder. Simplesmente, queria que soubesse o quanto me sinto grato a você por estar vivo e espalhando criação." Hoje, ocasionalmente, recebo eu mesmo tais mensagens. Esse é o caminho do amor, que usa a linguagem da fé e do perdão.
Por que, então, não paro de pensar naqueles que exercem pressão em cima de mim? Por causa de minha própria fraqueza, provavelmente. Poderia haver esse sentimento de pressão, se eu tivesse a certeza de que me dou inteiro?"

Henry Miller, Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch


















Me sentei às onze da noite e fui dormir às três da manhã, mas terminei o livro. Nunca li por tantas horas seguidas e não faço idéia do que me motivou, quando eu percebi o tempo já tinha passado. O início dessa obra me empolgou bastante, li compulsivamente, mas depois chegou um ponto que eu achei tudo chato, cansativo, monótono, onde ele descreveu pessoas aleatórias em detalhes, sempre elogiando, então pensei que o caso estava perdido. Porém, ao chegar na terceira parte (o livro é todo dividido, inclusive ele comenta que não importa a ordem que se leia, se entenderá igualmente) e depois no epílogo, a coisa mudou de rumo e eu nem senti que estava lendo. Além de falar sobre o meu signo (não entendo nada, mas se é o meu, devo pelo menos considerar) e contar uma história absurda de um "amigo" parasita, finaliza comentando sobre como era difícil lidar com a situação de recaber milhares de cartas com pedidos de ajuda literária, conselhos, dúvidas, buscando opinião etc. Pretendo contar o que isso tem a ver com a minha vida, logo mais. Como eu sempre digo, nada é por acaso.

I won't say your name
But you know who you are
I'll never be the same again now - no way
I just want to say
Thank you for playing the way you play

someday in january

O final de Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch tocou em dois pontos que eu me identifico muito e o primeiro vou postar agora: ser de Capricórnio. 

Filósofos. Inquisidores. Feiticeiros. Eremitas. Coveiros. Mendigos.
Profundidade. Solidão. Angústia.
Abismos. Cavernas. Lugares abandonados.

Graves. taciturnos, fechados. Amam a solidão, tudo que é misterioso, são contemplativos.
São tristes e pesados. Nasceram velhos.
Vêem o ruim antes do bom. A fraqueza em tudo salta imediatamente aos seus olhos.
Penitência, arrependimentos, perpétuo remorso.
Prendem-se à lembrança dos danos que lhe foram causados.
Riem raramente, ou nunca; quando o fazem, é uma risada sardônica.
Profundos, mas indigestos. Desabrocham devagar e com dificuldade.
Obstinados e perseverantes. Trabalhadores infatigáveis. Aproveitam-se de tudo para acumular ou progredir.
Insaciáveis em seu desejo de conhecimento. Empreendem projetos de longo curso. Dados ao estudo de coisas complicadas e abstratas.
Vivem em vários níveis, ao mesmo tempo. Podem ter vários pensamentos juntos.
Iluminam apenas os abismos.

Monday, July 05, 2010

unknown road

"Aqueles que fazem mais do que lhes pedem nunca se esvaziam. Só os que temem dar são enfraquecidos pela doação. A arte de dar é um negócio inteiramente espiritual. Neste sentido, dar tudo de uma pessoa não faz sentido, pois não há limite, quando se fala da verdadeira oferta."















"Eu poderia apresentar intermináveis exemplos dessas coincidências ou "milagres", como os chamo livremente, que se acumulam em minha vida. Os números, porém, nada significam. Se apenas um tivesse ocorrido, teria a mesma validade impressionante. Na verdade, o que me deixa mais perplexo do que quase qualquer outra coisa, nas questões humanas, é a habilidade do homem para ignorar ou fugir de eventos ou acontecimentos que não se enquadram em seu modelo de pensamento, em sua lógica inquestionável. A esse respeito, o homem civilizado é exatamente tão primitivo, em suas reações, quanto o chamado selvagem. O que ele não pode explicar, recusa-se a olhar diretamente. Evade-se à questão empregando palavras como acidente, anomalia, fortuito, coincidência etc.
Mas cada vez que "isso" acontece, ele fica abalado. O homem não está à vontade no universo, apesar de todos os esforços de filósofos e metafísicos para fornecer um xarope calmante. O pensamento ainda é um narcótico. A questão mais profunda é o porquê. E é proibida. O próprio perguntar está na natureza da sabotagem cósmica. E o castigo são - as aflições de Jó.
Todos os dias da nossa vida somos presenteados com evidências da imensa e complicada interligação existente entre os acontecimentos que regem nossas vidas e as forças que dirigem o universo. Nosso medo de aprofundar os relâmpagos de insight que elas provocam é de chegar, talvez, a saber o que "acontecerá" conosco. Sabemos com certeza desde o nascimento que morreremos. Mas mesmo isso achamos difícil de aceitar, por mais certo que seja."


"A questão é - para onde queremos ir? E, queremos levar conosco nossa bagagem ou viajar desimpedidos? A resposta à segunda pergunta está contida na primeira. Para onde quer que vamos, devemos ir nus e sozinhos. Devemos, cada um de nós, aprender que ninguém mais pode nos ensinar. Devemos praticar o ridículo, para tocar o sublime.
Quem pode dizer quais são, realmente, as necessidades do outros? Ninguém pode de fato ajudar o outro, a não ser insistindo com ele para que se mova adiante. Algumas vezes, a pessoa deve mover-se sem se mexer do lugar. Desligar-se dos seus problemas, essa é a idéia. Por que tentar resolver um problema? Esqueça-se dele!"

Henry Miller, Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch

Friday, July 02, 2010

triste, mas real.

Assisti "Jack Kerouac - King of the Beats" e digo o seguinte: tudo faz sentido. Primeiro me sinto feliz por ter terminado de ler Cidade Pequena, Cidade Grande antes de ver o documentário, porque o livro é praticamente narrado ao longo da filmagem. É antigo, curto, não tem muita riqueza de detalhes, mas acho válido pra quem já leu parte da obra dele. Quando falam sobre a época que ele viveu em Big Sur, a decadência e o alcoolismo, é bem impressionante. Nota-se tudo lendo o livro, porém, ver as pessoas que conheciam ele comentar soma bastante à essa impressão anterior. Certamente, antes de estourar On the Road, Jack se perguntou "onde eu me encaixo?". A resposta não veio com o sucesso, nem com o isolamento. Uma pena. Grande homem.

Thursday, July 01, 2010

accident prone

"Estamos sempre em dois mundos ao mesmo tempo, e nenhum deles é o mundo da realidade. Um é o mundo onde pensamos que estamos, o outro é o mundo onde gostaríamos de estar. De vez em quando, como se fosse através de uma fresta na porta - ou como o míope que adormece no trem -, obtemos uma rápida visão do mundo permanente. Quando fazemos isso, sabemos, mais do que qualquer metafísico pode demonstrar, a diferença entre verdadeiro e falso, real e ilusório."

Henry Miller, Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch


















What's the furthest place from here?
It hasn't been my day for a couple years.
What's a couple more?

Sunday, June 27, 2010

não sei.

"Quando é que a pessoa deve dispor-se a agir? O que constitui um ato? E deixar de agir, algumas vezes, não será uma forma mais elevada de ação?"

Henry Miller, Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch


Thursday, June 24, 2010

quando a cidade dorme


















Já terminei o livro, mas achei nos rascunhos do meu gmail esse trecho que ainda não tinha postado, então lá vai:

"Viu que a luta da vida era interminável, cansativa, dolorosa, que nada era feito rapidamente, sem esforço, que precisava passar por mil dobras, revisões, modelagens, acréscimos, remoções, enxertos, cortes, correções, alisamentos, reconstruções, reconsiderações, pregadas, colagens, raspagens, marteladas, levantamentos, conexões - todas as coisas incompletas hesitantes e incertas do esforço humano. Elas continuavam para sempre e estavam para sempre incompletas, longe da perfeição, refinamento ou polimento, cheias de memórias terríveis de fracassos e medos de fracasso, ainda assim, do seu jeito, de algum modo nobre, completas e reluzentes no final. Isso ele podia sentir mesmo da casa velha onde eles moravam, com suas paredes e pisos solidamente construídos que se mantinham juntos como rocha: algum homem, possivelmente um homem raivoso e pessimista, tinha construído a casa muito tempo atrás, mas a casa permanecia de pé, e sua raiva e pessimismo e suores irritados de trabalho foram esquecidos; a casa permanecia de pé, e outros homens viviam nela e ficavam muito bem abrigados nela."

Jack Kerouac, Cidade Pequena, Cidade Grande


















difícil não colocar fotos dele por aqui. jack e seu olhar penetrante. cada imagem me impressiona mais. ah, se eu pudesse ter visto ao vivo... no geral olhos claros tendem a dizer menos do que olhos escuros, mas ele é exceção. não sei se pelo tamanho, formato, ou simplesmente pela loucura toda. e ta aí uma coisa que eu me orgulho muito de ter: olhos expressivos. sempre dizem que eu falo com eles, então creio que seja verdade. olhos pequenos, mortos, apáticos, vazios, por favor, me poupem da chatisse de encará-los. prefiro os que assustam de tanta expressividade. melhor me sentir desafiada por um olhar confiante do que ficar entediada com um de peixe-morto."E é através dos olhos da alma que o paraíso é visionado. Se há falhas em seu paraíso, abra mais janelas!"

hey coffee eyes
you got me coughin' up my cookie heart

Sunday, June 20, 2010

sal paradise

i don't know anything but the word is getting around, 
there's trouble in paradise, your heart is gonna pay the price


Quando eu digo que nada é por acaso, falo sério. Ontem encontrei uma pessoa que eu não sabia que conhecia (amnésia alcoólica) e o comentário foi "eu insistia pra saber o teu nome e tu só dizia PARADISE, PARADISE". Acordo hoje e começo a ler meu guru, Henry Miller. Eis que me deparo com isso:

"Como é elucidativa essa atitude quanto à deplorável resignação à qual sucumbem homens e mulheres! Claro que todos percebem, a certa altura, ao longo do caminho, que poderiam levar uma vida muito melhor do que aquela que escolheram. O que impede isso, em geral, é o medo dos sacrifícios necessários. (Mesmo abandonar as correntes que os prendem parece um sacrifício.) Mas todo mundo sabe que nada é realizado sem sacrifício.
O anseio por um paraíso, na terra ou no além, quase parou de existir. Em vez de idée-force, tornou-se idée-fixe. De mito potente, degenerou em tabu. Os homens sacrificam suas vidas para tornar o mundo melhor - seja lá o que entendam por isso -, mas não movem uma palha para alcançar o paraíso. Tampouco lutam para criar um pouquinho de paraíso no inferno onde se encontram. É tão mais fácil, e mais sangrento, fazer uma revolução, o que significa, em termos simples, estabelecer outro status quo, só que diferente. Se o paraíso fosse realizável - está é a réplica clássica! -, não seria mais paraíso.
O que se poderá dizer a um homem que insiste em construir sua própria prisão?
Há um tipo de indivíduo que, após encontrar o que ele considera um paraíso, começa a botar defeitos nele. No final, o paraíso desse homem se torna ainda pior do que o inferno do qual ele fugiu.
Sem dúvidas, o paraíso, seja lá qual for, tem defeitos (defeitos paradisíacos, podemos dizer assim). Se não tivesse, seria incapaz de atrair os corações dos homens ou dos anjos.
As janelas da alma são infinitas, dizem-nos. E é através dos olhos da alma que o paraíso é visionado. Se há falhas em seu paraíso, abra mais janelas! A visão é, inteiramente, uma faculdade criativa: usa o corpo e a mente como o navegador usa seus instrumentos. Aberta e alerta, pouco importa se alguém descobre um suposto atalho para as Índias ou se descobre um novo mundo. Tudo pede para ser descoberto, não por acaso, mas intuitivamente. Procurando intuitivamente, o destino de uma pessoa jamais está num além do tempo ou do espaço, mas sempre aqui e agora. Se estamos sempre chegando e partindo, é também verdade que estamos eternamente ancorados. Nosso destino não é nunca um lugar, mas sim uma nova maneira de olhar para as coisas. E isso significa que não há limites para a visão. Da mesma forma, não há limites para o paraíso. Qualquer paraíso digno desse nome pode sustentar todas as falhas da criação e continuar com sua grandeza, impoluto."

Henry Miller, Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch

Aproveito o que foi dito sobre estar sempre chegando e partindo e repito um trecho do genial Waking Life que já postei por aqui: The sea refuses no river. The idea is to remain in a state of constant departure while always arriving. It saves on introductions and goodbyes. The ride does not require explanation - just occupance.