Monday, July 12, 2010

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"- Talvez você tivesse razão acerca de eu ser mais generoso comigo mesmo. Trata-se sem dúvida de um pensamento repousante. Dentro sou todo vigas de aço. Tenho de me derreter, adquirir fibras, cartilagens, linfa e músculos. Pensar que alguém conseguisse se tornar assim tão rígido... Ridículo, puxa! Eis o que resulta de se lutar com a vida.
Parou o necessário para tomar um grande gole, depois prossegiu.
- Você sabe, não existe no mundo uma só coisa digna de se lutar por ela, exceto a paz de espírito.


















No amor puro (que sem dúvida não existe absolutamente, exceto em nossa imaginação)", diz alguém que eu admiro, "o doador não percebe que ele nem dá do que dá, nem a quem dá, e ainda menos, se isso é apreciado ou não pelo recebedor."
De todo o meu coração eu digo "D'accord!" Mas nunca encontrei um ser capaz de expressar tal amor. Talvez apenas os que já não tem necessidade de amor possam aspirar a semelhante papel.
Estar livre da servidão do amor, apagar-se como uma vela, derreter-se de amor, fundir-se com o amor - que felicidade! É possível a criaturas como nós, fracas, orgulhosas, vãs, possessivas, invejosas, ciumentas, obstinadas, rancorosas? Obviamente não. Para nós, a corrida de ratos - no vácuo do espírito. Para nós, a ruína, a ruína eterna. Julgando necessitarmos de amor, cessamos de dar amor, cessamos de ser amados.
Mas mesmo nós, desprezivelmente fracos como somos, experimentamos ocasionalmente um pouco desse amor verdadeiro, desinteressado. Quem de nós não disse a si mesmo, na sua cega adoração de alguém além do seu alcance: "Que me importa que ela nunca seja minha! Só me interessa que ela exista, que eu possa venerá-la e adorá-la para sempre!" E embora insustentável essa opinião exaltada, o amante que assim argumenta pisa chão firme. Ele conheceu um momento de amor puro. Nenhum outro amor, por mais sereno e duradouro, se lhe pode comparar.
Transitório como possa ser esse amor, pode-se afirmar ter havido uma perda? A única perda possível - e como o verdadeiro amante a conhece bem! - é a falta daquela afeição imperecível que o outro inspirou. Que dia insípido, fatídico, o dia em que o amante percebe, de súbito, que já não está possuído, que está curado, a bem dizer, do seu grande amor! Quando a ele se refere, mesmo inconscientemente, como uma "loucura"! A sensação de alívio engendrada por semelhante despertar talvez leve alguém a crer com toda sinceridade haver reconquistado a liberdade. Mas a que preço! Que liberdade mais escassa! Não é uma calamidade fitar-se uma vez mais o mundo com os óculos de cada dia, com a sabedoria do cotidiano? Não é de dor no coração encontrar-se cercado de seres familiares e comuns? Não é alarmante pensar que se deve prosseguir vivendo, conforme dizem, mas com pedras na barriga e seixos na boca? Encontrar cinzas, nada mais do que cinzas, onde outrora havia sóis ardentes, milagres, glórias, milagres sobre milagres, glória atrás de glória, e tudo livremente criado, como se proveniente de uma fonte mágica?
Se existe algo que se presta a ser chamado de miraculoso, não é o amor? Que outra força, que outro poder misterioso capaz de revestir a vida de inegável esplendor?"

Henry Miller, Nexus

Comprei essa edição de '68, então caso eu coloque um acento errado, ignore, pois estou lendo coisas lindas como "êle" o tempo todo. Vale a pena ler esse trecho sobre o amor mais de uma vez. É impossível não concordar com o que foi dito. Não se vive assim, mas já experimentei. Agora só falta reconquistar a pseudo liberdade.

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