Tuesday, December 28, 2010

myage

(...) Tanto mais notável, no entanto, foi que ainda assim tenha subestimado o meu problema em um ponto decisivo, pois aconselhou-me, em tom sério, a viajar um pouco. Nenhum conselho poderia ser menos sensato; as coisas na verdade são simples, todos podem compreendê-las ao chegar mais perto, mas não tão simples que a minha partida pudesse pôr tudo ou sequer o mais importante em ordem. Pelo contrário, antes de partir devo proteger-me ainda mais; se tenho mesmo de seguir um plano, então que seja o de manter o assunto dentro dos estreitos limites atuais que o mantêm separado do mundo externo, ou seja, ficar quieto onde estou e impedir as grandes mudanças visíveis que a situação exige, o que inclui não mencionar nada a ninguém, não porque tudo isso esconda algum segredo terrível, mas por tratar-se de um assunto irrelevante, pessoal e perfeitamente suportável que deve permanecer como tal.

Franz Kafka, Uma Pequena Mulher

Monday, December 06, 2010

entendo.

Tais solilóquios de rua ou de metrô ou de noites de insônia, no curso dos quais sua cabeça funcionava como um moinho de roda, impossível capturá-los quando se sentava diante de uma folha de papel em branco. E, no entanto, que extraordinárias confabulações ele tinha consigo mesmo! "Pôr o preto no branco! Escrever tudo!'' repetia em voz alta, mecanicamente, brandindo o punho fechado...

Henry Miller, Moloc

Toda noite eu escrevo mais um pedaço do meu livro. Mentalmente, é claro.

Friday, December 03, 2010

nina simone

I met him in a cell in New Orleans, I was
so down and out.
He looked at me to be the eyes of age,
as he spoke right out.
He talked of life, he talked of life.
He laughed, clicked heels instead.

Mister Bojangles
Mister Bojangles
Mister Bojangles,
dance!

Wednesday, December 01, 2010

de volta a bunker hill

Na falta de algo novo, resolvi reler Sonhos de Bunker Hill, do John Fante. Engraçado como as coisas mudam. Em 2006 eu li e achei incrível. Hoje achei um pouco superficial, talvez até meio bobo. Não sei se porque a linguagem é muito acessível, ou porque é curtinho - terminei em dois dias - o fato é que a impressão foi outra. Jamas falarei mal, afinal, na época dei muitas risadas e admiro o autor. Nem só de drama ou rebeldia se faz a literatura. Resolvi eternizar aqui o final que me agradou (e ainda agrada) profundamente:

Me estirei na cama e dormi. Era crepúsculo quando acordei e acendi a luz. Me sentia melhor, não estava mais cansado. Fui até a máquina de escrever e sentei em frente. Meu pensamento era escrever uma frase, uma única frase perfeita. Se conseguisse escrever uma frase boa, conseguiria escrever duas, e se conseguisse escrever duas, conseguiria escrever três, e se conseguisse escrever três, conseguiria escrever para sempre. Mas, supondo que eu falhasse? Supondo que eu tivesse perdido todo o meu belo talento? Supondo que ele tivesse se consumido para sempre no fogo de Biff Newhouse ao esmurrar meu nariz ou com a morte de Helen Brownell? O que aconteceria comigo? Iria até Abe Marx e me tornaria ajudante de garçom de novo? Eu tinha dezessete dólares e medo de escrever. Sentei ereto em frente à máquina de escrever e soprei meus dedos. Por favor, Deus, por favor, Knut Hamsun, não me abandonem agora. Comecei a escrever e escrevi:

"É chegada a hora", disse o Leão-Marinho,
"De falar de muitas coisas:
De sapatos - e navios - e cera para lacre -
De repolhos - e reis -"

Olhei para aquilo e umedeci meus lábios. Não era meu, mas, com os diabos, um homem tem que começar por algum lugar.