Fanático! Lembro-me que essa palavra foi assacada contra mim desde a infância. Especialmente pelos meus pais. Que é um fanático? Uma pessoa que acredita apaixonadamente e age desesperadamente com base no que acredita. Eu sempre acreditei em algo e assim me meti em encrencas. Quanto mais batiam em minhas mãos, mais firmemente eu acreditava. Eu acreditava - e o resto do mundo não acreditava! Se fosse apenas uma questão de suportar castigo, a gente poderia continuar acreditando até o fim. Mas a maneira do mundo é mais insidiosa. Ao invés de ser castigado, você é minado, solapado, tiram-lhe o terreno debaixo dos pés. Não é sequer traição o que eu tenho em mente. Traição é compreensível e combatível. Não, é algo pior, algo menos que traição. É um negativismo que o leva a exceder-se. Você está perpetuamente gastando sua energia no ato de equilibrar-se. É dominado por uma espécie de vertigem espiritual, cambaleia na beira, fica com os cabelos em pé, não pode acreditar que por baixo de seus pés exista um abismo imensurável. Isso acontece devido a excesso de entusiasmo, devido a um desejo apaixonado de abraçar pessoas, de mostrar-lhes seu amor. Quanto mais você se estende em direção ao mundo, mais o mundo recua. Ninguém quer amor verdadeiro, ódio verdadeiro. Ninguém quer que você ponha a mão em suas sagradas entranhas - isso é só para o padre na hora do sacrifício. Enquanto você viver, enquanto o sangue ainda estiver quente, tem que fingir que não existe sangue, que não existe esqueleto por baixo da cobertura de carne. Não pise na grama! Esse é o lema pelo qual as pessoas vivem.
Henry Miller, Trópico de Capricórnio
Tuesday, August 03, 2010
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