Monday, April 26, 2010

amor insatisfeito.

"Numa das prisões que esteve, Clausen apaixonou-se por uma mulher que era, assim como ele, uma prisioneira. Nunca puderam falar um com o outro, nem sequer tocar-se com a ponta dos dedos. De vez em quando conseguiam escrever um bilhetinho um para o outro. O caso durou cinco anos. A mulher tinha assassinado os filhos com uma machadinha. Tratava-se de uma linda mulher que tinha uma alma. Não fora ela quem matara as crianças, mas a lâmina afiada da machadinha. De vez em quando, à distância, seus olhares se encontravam. Noite e dia, mês após mês, ano após ano, seus olhares continuaram a encontrar-se, apesar de todas as barreiras. Nesses olhares nasceram línguas, lábios, ouvidos, eles aprenderam a refletir todos os pensamentos dos dois, todos os seus impulsos. Em que imensa agonia, em que tormento selvagem e desesperado pode o amor se transformar em circustâncias como essas! O amor desprendeu-se daqueles corpos, soltou-se pelo mundo, tentando alcançar tudo, livre, liberto de todas as barreiras, como os loucos. Dois criminosos amando-se com os olhos até a morte. Não será essa uma das mais requintadas formas de tortura que se possa imaginar?"

"Ele está pensando numa forma de explicar como e o que o faz sofrer. Ele está querendo saber se existe neste mundo alguém que tenha uma alma e um coração suficientemente grandes para compreender o que ele está querendo dizer. Há tanta coisa a dizer antes de entrar no grande assunto, que será que existe alguém com paciência suficiente para ouvir a estória até o fim? O sofrimento não é apenas uma coisa: é composto de um número infinito de átomos, cada um deles formando um universo no grande macrocosmo da dor. Pode ter início em qualquer lugar, ser consequência de qualquer coisa - até mesmo de uma palavra boba - e pode construir uma catedral de dimensões fantásticas que não ocuparia mais espaço do que a cavidade de um átomo. Isso para não falar nas terras que ficam ao seu redor, em costas marítimas, crateras vulcânicas, lagoas pouco profundas etc. O músico tem um instrumento de trabalho, o cirurgião tem suas ferramentas cirúrgicas, o arquiteto tem suas plantas, o general, seus subalternos, o idiotas suas idiotices, o que sofre tem tudo do Universo, menos alívio."

Henry Miller, Pesadelo Refrigerado

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