"No meridiano do tempo não há injustiça, há apenas a poesia do movimento criando a ilusão de verdade e drama. Se, a qualquer tempo e lugar, alguém dá de cara com o absoluto, desaparece aquela grande simpatia que faz homens como Gautama e Cristo parecerem divinos; o terrível não é os homens cultivarem rosas em monte de estrume, mas, seja por que for, quererem rosas. Por algum motivo, o homem busca o milagre e para consegui-lo caminha em meio ao sangue. Ele vai se corromper com idéias, vai se restringir a uma sombra se, por apenas um segundo na vida, puder fechar os olhos para o hediondo da realidade. Aguenta tudo: desgraça, humilhação, pobreza, guerra, crime, ennui, acreditando que amanhã vai acontecer alguma coisa, um milagre, que fará a vida tolerável. E o tempo todo um medidor vai marcando, não há mão que consiga fazê-lo parar. O tempo todo, alguém come o pão e bebe o vinho da vida, algum padre sujo e gordo como uma barata escondida no porão se empanturra, enquanto lá em cima, na luz da rua, uma hóstia fantasma toca os lábios e o sangue é claro como água. Do tormento e miséria infinitos não vem nenhum milagre, nenhum vestígio microscópico de alívio. Só idéias, pálidas e atenuadas idéias que precisam ser fertilizadas por carnificina; idéias que surgem como bile, como as tripas de um porco quando tiram a carcaça."
Henry Miller, Trópico de Câncer
Wednesday, August 19, 2009
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