Tuesday, December 19, 2006

de volta a bunker hill




"...Era maconha. Havia sedas de cigarro no saco. Eu tinha fumado maconha só uma vez antes, em Boulder, e tinha ficado mal. Era hora de ficar mal de novo. Enrolei um cigarro. Sentamos olhando um pro outro, puxando a erva pra dentro de nossos pulmões. Edgington riu. Eu também ri.
- Você é um filho da puta podre e mau, um vil imigrante inglês - falei.
Ele concordou com a cabeça.
- E você, senhor, é um cachorro gringo miserável e repugnante.
Caímos em silêncio, fumando maconha. Peguei o manuscrito.
- Vamos fazer alguma coisa com isso - eu disse.
- Vamos queima-lo.
Levei-o para a lareira e o joguei nas chamas. A maconha estava batendo. Tirei minha camisa.
- Vamos nos fazer de índios - eu disse. - Vamos queimá-la na fogueira.
- Grande - disse Edgington, arrancado sua camisa.
- Vamos tirar nossas calças - falei. Rimos e atiramos as calças longe. Num instante estávamos nus, dançando em circulos, dando o que pensávamos que fossem gritos indígenas. Um estrondo de trovão veio das nuvens. Rimos e rolamos pelo chão. Edgington tomou uma cerveja. Eu bebi um cálice de vinho. O aguaceiro era de rebentar os ouvidos. Fui pra fora correndo, demos as mãos e dançamos em roda rindo. Corri para dentro de casa, sorvi meu vinho e corri para fora de novo. Edgington entrou voando, tomou um gole de sua cerveja e se reuniu a mim na chuva. Deitamos na grama, rolando na chuva, gritando na trovoada. Uma voz de mulher varou a tempestade. Era da casa ao lado.
- Que vergonha, Frank Edgington - ela berrou. - Vista uma roupa antes que eu chame a polícia.
Frank pôs-se de pé e apontou seu traseiro pelada na direção dela.
- Isto é para você, Martha!
Corremos pra dentro da casa. Paramos em frente à lareira, pingando de molhados, observamos as fagulhas do roteiro de Velda dançando chaminé acima. Olhamos um para o outro e sorrimos. A seguir desempenhamos um clímax adequado a todo o ritual maluco. Mijamos no fogo.
Então uma coisa curiosa aconteceu. Olhei para o cabelo ensopado e o corpo encharcado de chuva de Edgington e não gostei dele. Não gostei nada dele. Havia algo de obsceno em nossa nudez, no roteiro queimado, no chão molhado de chuva, em nossos corpos tremendo de frio e no sorriso insolente dos lábios de Edgington, e fiquei com nojo dele e o culpei por tudo. Afinal, não havia ele me mandado a Cyril Korn, e não havia Cyril Korn me juntado com Velda van der Zee, e não havia Edgington escarnecido e zombado durante todas as semanas em que eu estivera escrevendo o roteiro? Eu não gostava mais desse homem. Ele me enjoava. Pensamentos similares devem ter borbulhado no cérebro dele, porque notei a hostilidade penetrante do olhar dele. Não falamos. Ficamos parados ali, odiando um ao outro. Estávamos a um passo de lutar. Peguei minhas roupas, rumei para o quarto e bati a porta..."


John Fante, Sonhos de Bunker Hill


Não sei dizer se esse é meu preferido, até porque todos são geniais e absurdos...mas é muito bom (e agradavel de ler). Ele caba sendo engraçado pelas neuras sem NENHUM sentido. Ah, sei lá... Apenas leia.
E o cachorrinho não riu dessa vez.
(só pra não perder a chance de fazer um trocadilho infame com pergunte ao pó)

3 comments:

Anonymous said...

sacanajjj. ninguém te deu os parabéns pelo blog. PARABÉNS!!

flávia said...

volte ao orkut e não se fala mais nisso.

obrigada,

coração de vento.

Anonymous said...

tipo.. grande, grande evento. digo, livro.